Palavra de especialista
Educação domiciliar reduz a construção de aprendizagem Publicado: 25 Abril 2019 | Última Atualização: 12 Mai 2019

Segundo o Mestre e Doutor em Literatura, Prof. Dr. Jack Brandão, educação em casa pode limitar o acervo construído pela criança em seu desenvolvimento

Sobre a mesa estão livros, cadernos, caneta, lápis e borracha; sobre a cadeira está uma criança ávida por aprender. Tal ambiente poderia ser uma sala de aula? Não, necessariamente, pois, ao invés de um professor, o educador seria o pai, a mãe ou outro responsável pela criança e, ao invés desta estar na escola, ela estaria na sua própria casa sem a presença de outros alunos. Este poderá ser um cenário comum no Brasil caso a educação domiciliar seja regularizada no país. No dia 11 de abril de 2019, o presidente Bolsonaro assinou projeto de lei (PL) que visa a regulamentação desse tipo de ensino no país. O projeto segue para tramitação no Congresso.

Esta não é a primeira vez que o assunto é pauta no Legislativo. O tema foi apresentado pela primeira vez, em 1994, em Projeto de Lei e, desde então, outros projetos foram apresentados. Todavia, tal ensino nunca foi regularizado no Brasil, mas, agora, sua regularização parece avançar. Trata-se de um tema polêmico que gerou discussões entre defensores e opositores sobre diversos aspectos. Um deles é a socialização da criança que, para os críticos da PL, será difícil de ocorrer num ambiente domiciliar, o que seria prejudicial para seu desenvolvimento. Já seus defensores afirmam que, para isso, há vários outros espaços como parques, festas e cabe aos pais ou outros responsáveis promover essa socialização.

Pesquisador e especialista em imagens, o Mestre e Doutor em Literatura pela USP, Prof. Dr. Jack Brandão, enfatiza que a questão da educação domiciliar vai muito além de prejudicar as relações construídas pelos pequenos. “Além de eles estabelecerem menos contatos, seu próprio desenvolvimento cognitivo pode ser afetado. Desde o nosso nascimento somos cercados de imagens e palavras ao nosso redor. Conforme vamos crescendo, vamos filtrando determinadas informações e, assim, formando o nosso próprio acervo que eu chamo de iconofotológico, um estoque de imagens mentais”.

Para o professor, quanto mais experiências sociais a criança e o adolescente tiverem, especialmente ao longo do seu crescimento – fase fundamental para construção do aprendizado – mais amplo será seu acervo. “Eles precisam estar em contato com pontos de vista diferentes, informações diferentes, modos de ver o mundo distintos apresentados tanto pelos seus professores quanto pelos seus colegas de classe”.

Segundo o pesquisador, é, justamente, essa heterogeneidade que enriquecerá a visão de mundo dos educandos. Todavia, ao serem educados em casa, eles receberão informações apenas daquele que os estão instruindo, ou seja, seu acervo será muito mais limitado, eles não conseguirão desenvolver uma visão crítica e nem construir seu próprio aprendizado por meio de associações com seu acervo.

Uma das questões levantadas por alguns defensores da educação domiciliar é que ela evitaria uma espécie de doutrinação em alguns ambientes escolares por parte de professores que impõem suas visões políticas em sala de aula. Brandão discorda dessa afirmação: “Se o aluno não amplia o seu acervo por meio do contato com pontos de vista diferentes, dificilmente ele conseguirá desenvolver um pensamento crítico e, a partir daí, resistir a alguma ideia hegemônica. No caso da política, por exemplo, ele precisa conhecer os pensamentos da esquerda e da direita para tirar as suas próprias conclusões, o que será muito mais difícil se ele for educado por apenas uma pessoa, pois estará submetido apenas à visão dela.

Brandão também ressalta que, não é pelo fato de levantar tais críticas a PL, que ele justifica um ensino hegemônico em sala de aula. “Óbvio que o educador não pode induzir ninguém a adotar determinada crença, seja religiosa política ou ideológica, ele deve apenas apresentar pontos de vista diferentes e promover um ambiente em que cada um possa expressar sua ideia. Isso é fundamental e acaba estimulando os educandos a construírem seu aprendizado de forma muito mais ativa. Afinal, fala-se tanto numa educação desprovida de transmissão maciça de informações, mas ainda se faz muito pouco”.

Mas, em se tratando de crianças, não é cedo para abordar determinados temas e promover debates? Para o pesquisador “essa é a melhor fase para isso. Claro que o professor não debaterá um tema com seus alunos do Ensino Fundamental I, por exemplo, da mesma forma com que abordará o tema com adolescentes do Ensino Médio. Mas é, justamente, na infância que a criança está moldando seu acervo iconofotológico e pode, assim, ampliá-lo cada vez mais”. De acordo com o pesquisador, é mais difícil apresentar ideias distintas para alguém com o acervo já moldado e inclinado para determinada ideia do que para alguém que está aberto a novos aprendizados.

Um fator ressaltado pelo Prof. Dr. Jack Brandão que pode ajudar no desenvolvimento dessa visão crítica do aluno é a própria Literatura. “A Literatura Infantil nos traz histórias que podem servir como lição de vida para seus leitores para enfrentarem problemas da vida como decepções, morte, e diversos outros. Um debate em sala de aula a respeito seria enriquecedor para todos”. Enfim, substituir o tradicional espaço escolar pelo espaço domiciliar pode resultar em diversas consequências para a construção do aprendizado. Cabe a cada um refletir a respeito.

Sobre o Prof. Dr. Jack Brandão:

Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do programa de Mestrado em Ciências Humanas da UNISA. Também já ministrou aulas em colégios como Dante Alighieri e Visconde de Porto Seguro. Pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas. Autor de diversos artigos e livros sobre o tema no Brasil e no exterior. Coordenador do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS Imago Lab e editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem. Coordenador do programa de Mestrado em Ciências