Palavra de especialista
Inclusão de autistas nas escolas ainda enfrenta desafios, apesar de avanços |

Nos últimos anos, o debate sobre inclusão escolar de crianças autistas tem ganhado força.

Porém, dados recentes de 2025 do Ministério da Educação apontam que o número de estudantes com autismo nas escolas brasileiras aumentou mais de 50% desde 2022, superando os 630 mil alunos. Destes, mais de 95% estão em turmas regulares. Mas, segundo especialistas, a presença física não garante inclusão real.

“A pessoa com algum tipo de necessidade específica deve ser tratada com respeito e empatia, sendo incluída nas atividades, com adaptações necessárias, mas sem que os outros sintam pena ou diminuam o potencial delas. As pessoas confundem inclusão com aceitação, mas inclusão é respeito às diferenças, é oferecer possibilidades reais de participação, de acordo com as necessidades de cada um”, explica a neuropsicóloga Bárbara Calmeto, diretora do Autonomia Instituto.

A seguir, Bárbara responde dúvidas frequentes sobre o tema, além de trazer orientações práticas para famílias e escolas.

1 – Inclusão e aceitação são a mesma coisa?Não. Incluir não significa apenas aceitar a matrícula de uma criança autista e dizer que ela está "inserida". A ideia de inclusão envolve combater o capacitismo e garantir oportunidades reais de participação e desenvolvimento. “A criança autista não é um anjo azul, nem um problema. Ela não precisa de cura, e sim de acolhimento e de uma escola que compreenda suas necessidades”, explica Bárbara.
Infelizmente, muitas escolas ainda “toleram” a presença de crianças no espectro, mas não integram de fato. Isso se reflete em exclusão social, preconceito velado e até bullying. “A escola precisa promover a convivência saudável entre todos, garantindo que o ambiente seja respeitoso e adaptado à diversidade.”

2 – Ter colegas autistas na escola faz diferença para as outras crianças?
Sim, e faz muito bem. Crianças que convivem com a diversidade aprendem desde cedo sobre empatia, respeito e cooperação. Para isso, é essencial que a escola promova ações de conscientização: explicar à turma, de maneira adequada à faixa etária, o que é o autismo, quais são os potenciais e desafios daquele colega, e como todos podem contribuir para o bem-estar da turma como um todo.
“Essas ações reduzem o preconceito e o bullying, que ainda são muito comuns. Informação é o maior aliado da inclusão verdadeira”, reforça Bárbara.

3 – Como os pais de crianças neurotípicas podem ajudar?
Os pais exercem um papel essencial na formação de uma geração mais empática. Ao falar sobre diversidade com seus filhos, ajudam a construir pontes para uma convivência mais saudável.
“Explique, por exemplo, que cada pessoa é única: algumas gostam de conversar, outras são mais introspectivas. Algumas crianças podem se incomodar com barulhos ou ter reações diferentes, mas todas merecem respeito”, diz Bárbara.
Evite estereótipos ou frases capacitistas. O autismo é um espectro, e cada criança terá um perfil diferente.

4 – Como responder a dúvidas das crianças sobre colegas autistas?
Com sinceridade e naturalidade. Fingir que o assunto não existe só aumenta o tabu. “Se uma criança perguntar por que o colega se balança ou prefere ficar no canto, explique que esse é o jeitinho dele de se sentir confortável e seguro. Precisamos normalizar essas diferenças sem romantizar ou evitá-las”, sugere Bárbara.

5 – Qual o papel da escola na inclusão?
A escola é o principal ambiente de socialização infantil, e por isso precisa estar preparada para acolher e incluir. Isso significa planejamento pedagógico adequado, conteúdos acessíveis, previsibilidade na rotina e estratégias que favoreçam a participação da criança autista em todas as atividades.
“Não se trata de reduzir conteúdo ou isolar o aluno, mas de encontrar formas de apresentar o mesmo conteúdo de maneiras adaptadas, garantindo equidade”, explica a neuropsicóloga.
Outro ponto importante é a presença de profissionais de apoio, como professores de AEE (Atendimento Educacional Especializado) e mediadores, quando necessário.

6 – O que diz a Lei? Alunos com autismo têm direito a acompanhante?
Sim. A Lei nº 12.764/2012 garante que, em casos de necessidade comprovada, o estudante autista tem direito a um acompanhante especializado.
“Infelizmente, muitas escolas se concentram apenas no conteúdo curricular e esquecem que a criança pode precisar de apoio na socialização, na regulação emocional, na rotina. Sem o suporte adequado, os direitos básicos à educação e ao bem-estar são violados”, alerta Bárbara.

Práticas que ajudam a construir um ambiente escolar mais inclusivo

Bárbara Calmeto lista 10 práticas fundamentais que toda escola pode adotar para garantir um espaço mais respeitoso e acessível:
1. Estude o diagnóstico do aluno e compreenda suas características e necessidades específicas.
2. Promova a conscientização na escola inteira – incluindo funcionários, colegas e famílias.
3. Escute o aluno e observe sua rotina. Dê espaço para que ele expresse suas preferências e limites.
4. Mapeie as dificuldades e crie estratégias de adaptação viáveis.
5. Use recursos visuais, cronogramas, pistas ambientais e apoios na rotina.
6. Monte um “canto da calma” para ajudar no equilíbrio sensorial quando necessário.
7. Elabore um Plano de Ensino Individualizado (PEI) com metas claras e acessíveis.
8. Estimule a participação nas atividades com apoio dos colegas e dos professores.
9. Mantenha diálogo constante com a família e profissionais de saúde que acompanham o aluno.
10. Seja empático. Respeite. Inclua. A diversidade enriquece a escola e prepara crianças para um mundo mais justo.

Artigo escrito pela neuropsicóloga Bárbara Calmeto, diretora do Autonomia Instituto.